Crónica de Alexandre Honrado – Emoções e James Bond

Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Emoções e James Bond

 

No meio de uma imensa lixarada impressa, de revistas contorcionistas até livros com best-sellers sem conjugação gramatical, acabo por comprar na zona livre, o velho freeshop de um aeroporto, uma edição para ler entre escalas de voos. Talvez, pensei eu, me faça esquecer o controlador da fronteira – portuguesa e na partida – que me confiscou um frasco, de três que levava com líquidos, evocando a lei. Os outros dois, de plástico, que já tinham contido álcool gel, fora-me devolvidos. Um com shampô comercial, o outro com shampô medicinal. O terceiro, frasco de vidro de um perfume caro, de  uma marca muito conhecida, continha uma loção dermatológica para peles sensíveis – tenho alergias sérias, e depois? Todavia, foi esse que ficou, sucumbindo ao seu aspeto de grande qualidade e boa marca. Coitados dos invólucros que traem os seus conteúdos. Ainda bem que não era uma recolha de líquido orgânico para análise…

Escolhi o livro, de Umberto Galimberti, que já conhecia de outros encontros. Galimberti é um italiano, de Monza. Melhor ainda, é filósofo, psicanalista e professor. Fez parte da Associação Internacional de Psicologia Analítica e foi vice-presidente da Associazione Italiana per la Consulenza Filosofica “Phronesis”.

Não me levem a mal, mas ignorei o livro que estava ao lado, a narrativa do último 007 – Sem Tempo para Morrer. Como me interesso pelo estudo da cultura contemporânea, é óbvio que irei ver o filme, o mais cedo possível. Mas para a viagem – e porque o dinheiro anda muito contado nos meus bolsos – escolhi Il Libro Delle Emozioni, o livro das emoções, provavelmente mais emocionante que o 007 em toda a sua graça e esplendor.

Se formos a ver bem, não andam assim muito distantes, as obras de Galimberti e o 007. É que “as reflexões do professor de Filosofia da História na Universidade Ca’ Foscari de Veneza giram principalmente em torno da interação do ser humano com a tecnologia do mundo contemporâneo. O filósofo vê a técnica como uma característica marcante da sociedade ocidental, o elemento que praticamente a define”. Nada que o Agente de Sua Majestade não faça, em muito boa medida graças ao génio inventivo de Q, o inventor das armas sofisticadíssimas de Bond. Agora, o papel de Q é interpretado por Benjamin John Whishaw, um jovem ator da escola shakespeariana – destacou-se no Hamlet – , e confere um arejamento salutar ao mundo da ciência, mesmo tratando-se da sua presença na ficção. Por seu turno, Galimberti, explica-nos como “a tecnologia é o espaço da razão no sentido mais absoluto, o qual não permite que se instalem no seu perímetro os sentimentos extremos e as ações irrefletidas. Tudo neste campo é regido pela mais perfeita ordem e pela utilidade prática”.

Galimberti adverte sobretudo que a Humanidade com relação à omnipotência da técnica e do próprio Homem, que crê poder dominá-la.

Percebem portanto a minha escolha: em primeiro lugar as emoções. Só depois o 007. Considerem-me “batido, mas não mexido”, como o Martini de Bond, isso, do James Bond.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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